Ato X - A exposição
Ainda entusiasmado com a proposta de campanha do candidato do partido Genérico, o público se levanta e vai deixando o enorme Salão Nobre. Jonas escuta que outras atividades estão programadas para aquele dia especial, inclusive, a inauguração de uma nova e sensacional exposição no museu, na ala leste da Prefeitura. Segundo ouviu, aquela exposição marcaria época como sendo a mais igualitária e a mais justa exposição de arte de todos os tempos. Ele fica ansioso para conferir e vai acompanhando a multidão que segue em peso para conferir a novidade. Ao chegar no grande vão de acesso, Jonas observa as pesadas letras de bronze acima do portal, onde se lê: “MUSEU PÚBLICO DIRCE TRAMÓIA”. Uma multidão se acotovela diante da obra principal logo na entrada, encobrindo a visão de Jonas.
CONSELHEIRO 1
- Maravilhoso! É realmente estonteante, uma obra esplendorosa! - Ele gesticula efusivamente, querendo mostrar aos seus colegas que tem muito bom gosto, pavoneando toda a sua erudição e o seu vernáculo.
CONSELHEIRO 2
- Sem dúvida alguma, trata-se de uma obra magnífica, é realmente primorosa!!! - Fala alto, fazendo caras e bocas exageradas, tentando parecer ainda mais virtuoso, erudito e empolgado que o colega.
JONAS
- Droga! Não consigo ver nada... - Reclama Jonas, alternando pequenos pulos e agachamentos, tentando ver alguma coisa até que percebe a presença de um funcionário do museu) - Quem sabe aquele senhor possa me ajudar. Olá, boa tarde! O senhor poderia me informar o que há ali? O que é tão formidável e maravilhoso que aqueles senhores ali elogiam tanto?
FUNCIONÁRIO
- Shiuuuuu! Queira falar mais baixo, meu rapaz, por favor... - levando o dedo indicador até a boca e repreendendo Jonas.
JONAS
- Desculpe, mas, o que tem ali? Quem são aqueles senhores?
FUNCIONÁRIO
- Estes senhores fazem parte do Comitê de Artes do Conselho. Eles acabam de inaugurar a amostra pública da mais recente aquisição para o nosso acervo de belas-artes. - Responde, olhando Jonas por cima de seus grandes óculos grossos.
JONAS
- Que interessante (sussurra), eu adoro artes. Deve ser uma obra muito pequena, né? Não consigo ver nada daqui… mas, tenho certeza, deve ser muito linda! - Estica novamente o pescoço, tentando ver alguma coisa.
FUNCIONÁRIO
- Isso, depende. Para alguns, é tudo; para outros, é o nada. O universo em sua plenitude, com tudo (olha para a mão direita) e, com nada (olha para a esquerda) ao mesmo tempo… veja, veja agora! - A multidão diminui e ele aponta a obra para Jonas. - O nome da peça é Tudo Vazio.
JONAS
- Mas eu não vejo nada... - aperta os olhos, tentando ver algo além da parede em branco à sua frente.
FUNCIONÁRIO
- Ai que está! Impressionante, não? Nada capta melhor a essência humana do que a obra Tudo Vazio. É a mais perfeita equidade de sensações, proporcionada pela plenitude do nada. Atinge a todos de maneira absolutamente idêntica e livre, cada um podendo exaltar a sua consciência sem limitações, sem padrões, como quiser... - Responde, com uma expressão vaga e sonhadora.
JONAS
- Então, não tem nada ali mesmo? É isso? (Pergunta, irritado) Como o nada pode ser arte?
FUNCIONÁRIO
- O nada é o que torna a peça a mais perfeita expressão de arte igualitária. O Comitê de Artes do Conselho sempre foi criticado por favorecer os seus próprios gostos, ou o gosto dos seus amigos. Foram acusados até de barrar obras de arte, dizendo que elas não eram boas ou que tinham qualidade ruim. Chegaram ao cúmulo de barrar algumas peças por serem (fazendo aspas com as mãos) de mau gosto… como é que pode? Veja se isto é possível, que coisa mais elitista!
JONAS
- E por que não tentaram trocar o comitê, então? Por que não colocaram outras pessoas para escolher as obras?
FUNCIONÁRIO
- Ah, sim, tentaram várias vezes. Mas aqueles que não faziam parte do comitê nunca concordavam com os que participavam dele. Então, desistiram de trocar o comitê e o Conselho dos Iluminados sugeriu um método de escolha objetivamente subjetivo: uma loteria! Desta forma, todo mundo poderia participar! Os Iluminados cobram uma taxa da população e todos podem participar da loteria e apreciar as obras vencedoras.
JONAS
- Mas por que não deixam que as próprias pessoas decidam se querem ou não participar e escolham as obras de que mais gostam, em vez de cobrar de todos e de premiar uma obra aleatória.
FUNCIONÁRIO
- Que absurdo! Pense, (batendo com os dedos na própria cabeça) pense em quantas pessoas egoístas que não comprariam peça alguma, e também nas outras que poderiam ter mau gosto, não mesmo! Os Iluminados estão certos ao apoiar as artes, e fazer isto da maneira mais igualitária possível. Ninguém pode reclamar do sistema de loteria.
JONAS
- O senhor acha mesmo que as pessoas ficam felizes sendo obrigadas a pagar por esse tipo de arte? - Pergunta Jonas, incrédulo, apontando para a parede em branco com as mãos espalmadas.
FUNCIONÁRIO
- É uma bela seleção, não é mesmo? Tudo Vazio... (cruzando os braços, em contemplação) ninguém pode discordar da qualidade artística ou do estilo poético desta verdadeira obra de arte.
JONAS
- É, discordar… discordar do que?
FUNCIONÁRIO
- Exato! É praticamente impossível que ela possa ofender alguém, é perfeita!
JONAS
- Mas não tem nada... - Jonas apenas gesticula, mexendo os lábios sem soltar nenhum som.
FUNCIONÁRIO
- Garoto, venha cá. Eu percebi que você não entende muito de arte, está tudo bem, de verdade. O importante mesmo é entender como as diferenças, seja na arte ou nos pensamentos, podem fazer as pessoas ficarem muito infelizes, aqui, bem no coração (colocando a mão sobre o peito de Jonas). Você precisa conhecer o Grande Inquisidor!
JONAS
- O que é o Grande Inquisidor?
FUNCIONÁRIO
- Não é o que, é quem, ele é o maior sábio de Corrumpo! Vá conhecê-lo, e toda essa confusão mental na sua cabecinha vai acabar. Ele estará lá no coreto da praça, daqui a pouco. O Sol ainda não se pôs, corre que dá tempo. - Jonas sai em disparada para ver o tal sábio. Mais pela curiosidade do que qualquer coisa, afinal, se todos em Corrumpo são malucos, então ninguém é maluco.
***
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