Ato XI - O grande inquisitor
OS ÚLTIMOS RAIOS DO POENTE sobem pelas paredes das casas e refletem o vermelho vivo dos telhados mais altos enquanto a população acomoda-se com tranquilidade no gramado bem cuidado da praça. Jonas encontra um bom lugar e senta bem perto do singelo coreto. Estava muito curioso para ver o tal sábio. O Sol agora é apenas uma lembrança distante nas nuvens mais altas, insuficiente para aquecer o corpo de Jonas que arrepia com a leve brisa do fim da tarde. Sem perceber, o murmúrio da gente emudece e uma figura esguia e muito magra, toda vestida de preto, caminha a passos largos e escala os degraus do pequeno coreto. Os olhos do Grande Inquisidor encaram a multidão silenciosa, somente os grilos e o leve farfalhar das folhas na copa das árvores vazam o silêncio.
GRANDE INQUISIDOR
- A paz é guerra! A sabedoria é ignorância! A liberdade é escravidão! - A voz pausada e firme ecoa por toda praça e bate forte na alma de Jonas. Todo os demais parecem não se importar, nem esboçam qualquer reação. Como num ímpeto, inconformado e não entendendo o significado daquelas palavras, Jonas levanta seu braço e pergunta:
JONAS
- O que o senhor quer dizer com liberdade é escravidão? - Ouve-se um “ohhhh” generalizado. Nunca, jamais, alguém ousou questionar qualquer fala do Grande Inquisidor. Muito menos lhe fazer perguntas! O grande sábio olha para baixo, procurando pela criatura insignificante que ousou questioná-lo e responde em alto e bom som:
GRANDE INQUISIDOR
- A liberdade é a maior carga sobre os ombros dos homens! A liberdade é o grilhão mais pesado que uma alma pode carregar!!! - Grita em êxtase, erguendo os braços e cruzando os punhos sobre a cabeça. As pessoas concordam e Jonas, intrigado, estica novamente o seu braço.
JONAS
- Por que a liberdade é um peso? O que há de errado com ela? - Insiste, procurando entender o significado daquelas palavras.
GRANDE INQUISIDOR
- A liberdade é um peso monumental que homens e mulheres não podem carregar porque requer, não... porque ‘exige’ o uso da mente e da vontade. Imaginem o terror! (Urra de dor e horror) Ai! Imaginem só o pavor de serem responsabilizados por todas as suas decisões, por todas as suas escolhas… a angústia de ter a liberdade absoluta de tomar decisões, inclusive, até as mais terríveis! Imaginem, por um momento, a sua consciência, o peso, o senso de responsabilidade! O livre arbítrio é puro pesadelo (o tom de sua voz vai aumentando e ficando cada ve mais agressivo) e a responsabilidade de tudo será sua, exclusivamente e completamente sua! - As pessoas viram as cabeças, escondendo os olhos e tapando os ouvidos de tanto medo e pavor daquelas palavras. Jonas, um pouco hesitante, levanta seu braço novamente.
JONAS
- O que o senhor quer dizer com responsabilidade? - Extremamente irritado com a impertinência daquele moleque, o sábio fecha os olhos e, como por mágica, muda completamente de atitude, relaxando a postura e respondendo a Jonas de maneira afável e agradável. Ele vira as costas e desce vagarosamente os degraus do coreto, onde arranca uma pequena plantinha do solo e a mostra para as pessoas, caminhando em direção a Jonas.
GRANDE INQUISIDOR
- Meus irmãos e minhas irmãs. Eu sei que é difícil para alguns de vocês compreenderem a natureza do perigo do qual lhes falo. Fechem os olhos, mentalizem por um instante esta minúscula e indefesa planta em minha mão. Este frágil broto... fixo, enraizado, imóvel sobre o solo, nada é de sua responsabilidade, tudo o que ela faz é predestinado… ah, como são felizes as plantas! Agora, imaginem uma lagarta. Sua única preocupação é... comer. Comer e comer, até que um belo dia ela vai se fechar em um casulo e virar uma magnífica borboleta (as pessoas estão encantadas com a narração, concordando em voz alta com o sábio, todas, exceto Jonas). Tudo o que a lagarta faz é predestinado, ela não escolhe nada, apenas é. Nem a planta, nem o animal sofrem com a vertigem da liberdade, eles não têm angústias com escolhas ou com valores, eles nunca podem estar errados!
MULTIDÃO
- Sábio! Sábio! Sábio! - As pessoas aplaudem e gritam em coro, comovidas.
GRANDE INQUISIDOR
- Agora, meus irmãos (pedindo silêncio com as mãos), olhem, olhem ao seu redor, imaginem o ser humano. O ser humano em toda a sua fraqueza, com todos os seus defeitos, as suas dúvidas. Qualquer um de nós, qualquer um pode fazer uma escolha errada, ter uma valor errado, e uma escolha errada pode trazer dor e sofrimento a outra pessoa… por isso, eu lhes digo: a simples consciência do mal potencial os fará sofrer e esse sofrimento é… responsabilidade! - As pessoas estremecem, agarram umas as outras, apenas imaginando a simples possibilidade de serem responsáveis por algum mal.
GAROTO
- Oh, por favor, sábio! O que podemos fazer para nos livrar deste peso terrível? - Pergunta um garoto assustado, sentado ao lado de Jonas.
GRANDE INQUISIDOR
- É uma tarefa difícil mas, juntos, nós conseguimos superar esta ameaça, é exatamente essa a função dos Iluminados, são as pessoas mais inteligentes de Corrumpo pensando juntas, tirando o peso das decisões diárias dos nossos ombros (a multidão aplaude, feliz). Agora vão, meus filhos, vão para suas casas. - As pessoas se levantam e saem da praça. Jonas vai atrás do sábio, para fazer uma última pergunta. Ambos se olham fixamente até que ficam a sós e Jonas quebra o silêncio.
JONAS
- Fazer com que as pessoas confiem o seu destino nas mãos dos Iluminados é tirar delas qualquer chance de pensarem, de serem elas mesmas! Elas podem até ser felizes assim, mas é uma felicidade falsa, não é real. A felicidade é uma conquista, é para quem se esforça, quem erra mas aprende a tomar as decisões corretas.
GRANDE INQUISIDOR
- Escuta, garoto, não precisamos de pessoas virtuosas, precisamos de pessoas felizes. Se os Iluminados dizem que essa felicidade é real, então, ela é real. Da mesma forma, se eles disserem que sumir com alguém que está perturbando a ordem pública por ai é algo bom… então, isto também será correto... - Jonas entende o recado e sai correndo em disparada, sem sequer olhar para trás, só ouve a risada maquiavélica do tal sábio ficar cada vez mais distante.
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